ARTIGO | “Finados Brasil” por Silvana Suaiden

Confira o artigo de elaborado por Silvana Suaiden, professora da PUC-Campinas, diretora do Sinpro Campinas e Região e presidente da Apropucc sobre o Dia de Finados.

 

Finados Brasil

Silvana Suaiden*

Brasil, 02 de novembro de 2021

O Brasil de hoje é um país que se auto destrói. Perdeu a capacidade de discernir entre o que lhe dá a vida e o que lhe leva à morte. Diante da grande cegueira coletiva que o acometeu nos últimos anos, fortalece-se o lado do Brasil que prefere privilégios a direitos universais, que insiste em colocar a culpa nas vítimas em vez de corrigir seu desvio moral, que enaltece torturadores e estupradores em vez de entender as raízes de sua própria violência, que nega a ciência porque esta conflita com sua vulgaridade e com suas psicopatias, que substitui a educação e a cultura pelo poder das armas, que naturaliza as mortes que poderiam ser evitadas… E já foram mais de 600 mil, sem falar da fome. Esse é o Brasil que deve ser enterrado e não enaltecido! Ele já está morto!

No entanto, por mais que estejamos horrorizados com ó ódio que contaminou a tantos, não temos o direito de desesperar. Por mais que sintamos a nossa fragmentação pessoal e coletiva, não desesperemos! Mesmo que sintamos a fratura do corpo social, mesmo que saibamos como chegamos ao fundo do poço sem saber como dele sair, mesmo que o poder esteja nas mãos do que há de pior no país, mesmo que seja enorme o aparato de desinformação e fake News, mesmo que estejam atacando diariamente nossos direitos e autoestima, mesmo que saibamos identificar as raízes de tamanha violência e os inimigos do povo, mesmo que nos entristeça tamanho empobrecimento e desmantelamento do que nos levou décadas ou séculos para alcançar… ainda estamos vivos e vivas!

Sim. Somos um país que veio do saque, do genocídio, da escravidão, da tortura… que resiste em aprender com o passado e com os outros, que fácil desiste de si mesmo para entregar-se a interesses alheios. Mas não somos apenas isto! Mesmo que carreguemos por tanto tempo um morto que já deveria ter sido sepultado, o Brasil que desejamos já nasceu. Mas ele precisa ser cuidado, educado, valorizado e amado, para que cresça. E não estamos sós.

Mesmo com todo esse projeto de morte, essa mesma terra deu ao mundo Abdias do Nascimento, Adolfo Lutz, Adoniran Barbosa, Aldir Blanc, Ana Néri, Anita Garibaldi, Anita Malfatti, Antônio Abujamra, Antonio Cândido, Ariano Suassuna, Belchior, Cândido Portinari, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Gomes, Carlos Marighella, Carolina Maria de Jesus, Cartola, Catulo, Cazuza, Cecília Meireles, Celso Furtado, César Lattes, Chico Mendes, Chico Xavier, Chiquinha Gonzaga, Clara Nunes, Clarice Lispector, Clementina de Jesus, Cora Coralina, Darcy Ribeiro, Dercy Gonçalves, Dias Gomes, Di Cavalcanti, Irmã Dorothy, Santa Dulce dos Pobres, Elis Regina, Eva Wilma, Ferreira Gullar, Florestan Fernandes, Gianfrancesco Guarnieri, Glauber Rocha, Gonzaguinha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Heitor Villa Lobos, D. Helder Câmara, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, José Leite Lopes, José Wilker, Juscelino Kubitscheck, Leonel Brizola, Lina Bo Bardi, D. Luciano Mendes, Luís Carlos Prestes, Luís Gama, Luís Gonzaga, Manuel de Barros, Margarida Maria Alves, Marielle Franco, Mário de Andrade, Mário Lago, Mário Quintana, Marisa Letícia, Milton Santos, Nelson Cavaquinho, Nise da Silveira, Noel Rosa, Nelson Rodrigues, Octávio Ianni, Oscar Niemeyer, Oswald de Andrade, Oswaldo Cruz, Paulo Autran, D. Paulo Evaristo Arns, Paulo José, Paulo Freire, Paulo Leminsky, Pixinguinha, Plínio de Arruda Sampaio, Plínio Marcos, Rubem Alves, Rubens Paiva, Santo Dias da Silva, Sobral Pinto, Tarsila do Amaral, Tarcísio Meira, Tim Maia, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Vital Brazil, Ziembinski, Zilda Arns, Zuzu Angel…

Só para falar de alguns que partiram e gestaram um Brasil mais poético, leve, inteligente, criativo, ético e solidário. E ainda há muitos outros e outras, familiares ou bem próximos de nós, que viveram e se foram no anonimato, deixando um rastro de vida. Por estes, vale a pena agradecer e manter a memória viva!

Olhemos, riamos, choremos, sigamos, orgulhemo-nos, cantemos, aprendamos, encantemo-nos com eles e elas… e ressuscitemos. Eles e elas estão aqui e fazem parte de nós. Cabe a nós ressuscitá-los diariamente! Que continuem conosco, nos enriquecendo com suas obras e nos inspirando com sua arte, nos oferecendo ciência e conhecimento para que possamos seguir adiante. Sua herança permanece entre nós com seu exemplo de vida, tenacidade, sabedoria, coragem e espiritualidade libertadora, como luzeiros da defesa dos direitos humanos e da luta por um mundo novo…

Estarão ali, onde surgirem novos sonhos e projetos de vida para sermos um só povo!

Não temamos a noite! Mas abramos bem os olhos. Não a atravessemos sozinhos.  E não deixemos que nos roubem o desejo de ser mar, amar, amor.

Não há escuridão que, cedo ou tarde, não se dobre ao raiar desse Brasil que virá.

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