A Carteira do cidadão de segunda classe

Ou: como se declarar escravo com uma carteira de trabalho fajuta

por Ricardo Paoletti (*)

Muitos, mas nem todos, conhecem a cor da carteira de trabalho, que registra o seu emprego formal e garante direitos como aposentadoria, férias, respeito às leis de trabalho que ainda temos e observância das convenções coletivas de trabalho. É azul. Mas agora, o candidato presidenciável de extrema direita resolve inovar, em sua proposta de pretenso combate ao desemprego: criar uma carteira alternativa, de capa verde-e-amarela, cujo portador abriria mão de quaisquer direitos, topando condições fora-da-lei impostas em negociação direta com o seu empregador.

Seria assim: com a carteira azul, todos os direitos. Com a verde-e-amarela, acordo tácito abrindo mão de qualquer direito, topando qualquer pagamento em qualquer condição, para garantir uma ocupação. Houve tempo em que proposição semelhante garantia trabalho de sol a sol em troca de lugar para dormir e um prato de comida, e essa condição era chamada de escravidão. Foi abolida em 13 de maio de 1888. Agora, o candidato-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado pretende voltar aos tempos de antanho.

Essa proposta é uma interpretação rasteira e radical da ideia de que, com a ‘reforma’ trabalhista, passa a valer o negociado sob o legislado. Ou seja, se o trabalhador topar o que o patrão quiser, vale um truco sobre as leis da terra. Poderia trabalhar por um trocado. Poderia abrir mão de quaisquer direitos.

Ocorre que essa é uma interpretação maldosa, leviana. O sentido de fazer valer o ‘negociado sobre o legislado’ é justamente o de firmar acordos e convenções coletivas – que tem força de lei – com condições de trabalho melhores do que a liquidação da mão de obra patrocinada pela ‘reforma’ trabalhista, que trata de promover o trabalho intermitente, permitir grávidas em condições insalubres, picotar férias, dificultar a justiça do trabalho. Exemplo de negociado sobre legislado, de verdade, foram os acordos firmados em convenção de professores e auxiliares na Educação Básica de São Paulo: o patronal pretendeu rasgar a convenção para aplicar a ‘reforma’ nas escolas, os professores e auxiliares resistiram e garantiram na negociação a manutenção de direitos.

A vergonhosa ideia da ‘carteira-verde-amarela’ é a de criar uma casta de trabalhadores desprovidos, de cidadãos de segunda classe. Que abram mão de sua dignidade. Mas para isso tem remédio: é só não votar nos candidatos da exploração, ou que apoiam a ‘reforma’ trabalhista e querem nossa submissão.

(*) Ricardo Paoletti é jornalista

Fonte: Fepesp

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2 Comentários

  1. Luanda
    Agosto 30, 13:59 Resposta
    Desculpe a ignorância, mas acredito eu que já exista uma carteira de trabalho verde, não? Além da cor ser diferente, ela apresenta algumas mudanças quanto as informações de pagamento de contribuição sindical - que é anotado em uma parte diferente da carteira...
    • Apropucc
      Outubro 01, 19:42 Resposta
      Olá Luanda, O que sabemos é que um dos candidatos que concorre às eleições para a presidência do país propõe uma "carteira de trabalho “verde e amarela”, criando assim uma espécie de segunda classe trabalhadora, jogando o trabalhador para antes da CLT, sem proteção da justiça e dos sindicatos, obrigando o empregado a negociar individualmente em total desvantagem diante dos patrões, principalmente os oportunistas e maus patrões. Esta “segunda” classe trabalhadora ficaria sem ver a "cor da tradicional carteira de trabalho", sem a garantia dos direitos e sem força para negociar, conquistar e melhorar de vida", segundo informações apuradas por nossa Comunicação e divulgadas na grande mídia, entre elas a Carta Capital, da qual tiramos essas referências. Hoje o que acontece é que a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização reduziu demais os direitos dos cidadãos e isso pode piorar se elegermos candidatos que não estão comprometidos com as lutas dos trabalhadores. Não há uma carteira oficial verde, o que há é uma tentativa de atacar nossos direitos trabalhistas e sociais. Obrigada pela sua mensagem! Comunicação da Apropucc

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