Portaria 1145: Fomento à Preparação para Provas em Tempo Integral
Luiz Carlos de Freitas*
Engana-se quem pensar que a Portaria 1145 do MEC institui um Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Tempo Integral. Na realidade, seu nome deveria ser: Programa de Fomento à Preparação para Provas em Tempo Integral.
O MEC começa a mostrar como será sua política educacional com mais detalhes. A primeira leitura da Portaria 1145, na esteira da Medida Provisória no. 746, revela como o Ministério da Educação pretende produzir a qualidade na educação brasileira: avaliando e punindo.
As escolas (e Secretarias) que não cumpram com determinadas exigências avaliativas do novo Programa, serão eliminadas dele. Como consequência, o critério de “educação integral” é ir bem nas provas (as que já existem), o que reduz a Educação Integral a apenas mais tempo para treinar para os testes. Algo como uma espécie de estímulo à dedicação integral à preparação para as provas.
Isso deverá colocar as escolas na contingência de “ensinar para os testes” de forma a escapar das consequências punitivas e de serem eliminadas do Programa. É assim que se quer aumentar o IDEB e o PISA. E para o MEC, aumentar médias dos alunos é aumentar a qualidade da educação, a despeito de tudo que já se escreveu sobre os limites desta crença.
Ao longo do texto da Portaria, as categorias da reforma empresarial da educação – responsabilização e meritocracia – vão se apresentando. O dinheiro federal vai sendo condicionado à implantação e avaliação desta política.
No item V do Art. 7º. da Portaria se lê:
“V – Implementar mecanismos objetivos para seleção, monitoramento, avaliação, formação continuada e possível substituição de gestores das escolas participantes, em consonância com a Meta 19 do PNE, para a efetiva garantia do atendimento em educação integral.” (Grifos meus.)
Através deste ítem, o MEC recorre à meta 19 do PNE para colocar no horizonte destas escolas a implantação da meritocracia. Diz a meta 19:
“Assegurar condições, no prazo de dois anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.” (Grifos meus.)
Nas estratégias da Meta se lê:
“19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação para os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamentem a matéria na área de sua abrangência (…) e que considere, conjuntamente, para a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar.” (Grifos meus.)
E ainda:
“19.8) desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos, cujos resultados podem ser utilizados por adesão.” (Grifos meus.)
É clara a tendência à responsabilização combinada com meritocracia, como forma de promover a qualidade da educação. Note que a lógica da proposta coloca o Ministério da Educação como um indutor centralizado de qualidade, através de responsabilização e meritocracia, condicionando o acesso ou não dos estados aos recursos federais. Esta deverá ser a tônica do governo: liberar recursos para quem aplique a política da reforma empresarial da educação.
Nesta perspectiva, os gestores locais (Secretários de Educação e Diretores) devem ser meros executores de uma política central definida previamente por Bases Nacionais, Programas, metas e demais instruções – claro, se desejarem dinheiro federal. A política proposta prega exatamente o oposto do que se sabe que funciona, ou seja, o empoderamento local. O fator “responsabilização” pode ser melhor observado nos itens que se seguem.
O Comitê Gestor é completamente controlado: gestores do MEC e o Consed.
“Art. 15. Fica instituído o Comitê Gestor e de Implantação do Programa, composto pelos seguintes integrantes:
I – Secretário de Educação Básica do MEC, que o presidirá; II – Diretor de Currículos e Educação Integral, que atuará como Secretário Executivo; III – Coordenador-Geral de Educação Integral; IV – Coordenador-Geral do Ensino Médio; V – Representante da Diretoria de Apoio à Educação Básica; e VI – Representante do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação – Consed.”
Este grupo todo poderoso, o “olimpo”, vai avaliar as escolas e as Secretarias de Educação participantes do Programa da seguinte forma:
“DO MONITORAMENTO E PERMANÊNCIA NO PROGRAMA
Art. 16. Uma vez selecionadas para o Programa, no âmbito desta Portaria, as SEE participantes serão submetidas a Avaliações de Processo e de Desempenho para se manterem no Programa.
Art. 17. A Avaliação de Processo irá considerar critérios no âmbito dos estados/Distrito Federal e das escolas.
§1o. Os critérios para as SEE no nível dos estados/ Distrito Federal são:
I – Vigência de marco legal em forma de Lei Estadual ou Distrital; II – Análise do Plano de Expansão; e III – Prestação de contas em dia.
§2o. Os critérios para as SEE para a implementação do Programa no nível das escolas são:
I – Possuir número mínimo de matrículas integrais conforme estabelecido no §2o art. 5o;
II – Apresentar redução da média de abandono e reprovação cumulativamente, conforme dados oficiais do Censo Escolar, da seguinte forma: a) no primeiro ano do Programa, reduzir 3.5 p.p; b) no segundo ano do Programa, reduzir 3.5 p.p; c) no terceiro ano do Programa em diante, alcançar e manter o patamar de até 5%.
III – No caso de escolas novas, a taxa de não aprovação deve seguir da seguinte forma, conforme dados oficiais do Censo Escolar: a) no primeiro ano do Programa, até 15%; b) no segundo ano do Programa, até 12%; e c) no terceiro ano do Programa em diante, alcançar e manter o patamar de até 5%; e
IV – Alcançar condição de infraestrutura de acordo com os requisitos apresentados no Anexo IV, observando o disposto no parágrafo único do inciso XI do art.7o.
§3o. A avaliação de processo das SEE no nível do estado e do Distrito Federal, elencados no art. 17o, §1o, incisos I, II e II, será realizada anualmente, até 31 de dezembro de cada ano.
§4o. A avaliação de processo das SEE no nível da escola, elencado no art. 17, §2o, incisos I a IV, será realizada anualmente, na data de divulgação dos resultados de matrícula e de taxas de rendimento do Censo Escolar.
§5o. O MEC, por meio da SEB, poderá realizar visitas in loco para verificação da adequação do disposto no art. 17 desta Portaria a serem regulamentadas em ato próprio.
Art. 18 A Avaliação de Desempenho utilizará como critérios:
§1o. Taxa de participação na prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM de no mínimo 75% dos alunos de ensino médio matriculados;
§2o. O desempenho no ENEM de acordo com os seguintes critérios:
I – 15 pontos acima da média geral do estado ou distrito federal, para as escolas inauguradas e sem matrículas até o início da vigência do Programa.
II – 15 pontos acima da média da escola, para as instituições de ensino com as matriculas já estabelecidas até o início da vigência do Programa.
§3o. A média no ENEM das escolas será calculada considerando a média simples das 4 provas objetivas: a) Ciências Humanas e suas Tecnologias; b) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; c) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e d) Matemática e suas Tecnologias.
§4o. A média no ENEM dos estados e do distrito federal será calculada pela média simples das escolas de ensino médio participantes do Programa, considerando as 4 provas objetivas mencionadas no art. 18, §3o, alíneas.
§5o. O MEC poderá criar indicadores de desempenho adicionais, podendo aplicar as mesmas consequências de avaliação e desligamento previstas nesta Portaria, devendo os indicadores de desempenho e suas respectivas regras serem divulgadas previamente junto às SEE.
§6o. Os critérios da Avaliação de Desempenho elencados nos §§ 1o ao 5o deste artigo serão aferidos ao final do terceiro ano de implantação do Programa.
Art. 19. As escolas das SEE participantes que não cumprirem o disposto nesta Portaria poderão ser desligadas do Programa e não poderão ser substituídas por outras escolas da rede de ensino.
Parágrafo único. Na hipótese de mais de 50% das escolas da SEE participante serem desligadas, durante a vigência do Programa, a mesma será desligada do Programa.” (Todos os grifos são meus.)
A filosofia é clara: avaliar e punir. Pune-se a escola e a própria Secretaria: se 50% das escolas de um estado participante não forem aprovadas pelo “olimpo”, o estado será desligado do programa.
Imaginem agora, como toda esta pressão vai terminar na sala de aula afetando o professor e o estudante, bem como suas relações.
Esta é a política que teremos a cada passo do MEC. Algum dia, faremos como os Estados Unidos fez, depois de quebrar cabeça com esta política que agora o MEC implanta, e o nosso Congresso, talvez, como fez o Congresso americano, impedirá que o governo federal condicione repasse de recursos a título de cumprir determinações de políticas de avaliação centralizadas do governo federal (veja aqui e aqui também).
(*) Professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Fonte: Blog do Freitas
Imagem: FreeImages.com/ID#1240400 (Daino_16)
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